Aproxima-se rapidamente a data das eleições autárquicas — momento privilegiado de participação cívica na escolha dos cidadãos que nos próximos quatro anos terão a responsabilidade de gerir o, cada vez mais importante, poder local — e estão já no terreno há algum tempo as campanhas das várias candidaturas à Câmara Municipal de Caminha. Sabemos bem não terem as eleições autárquicas no nosso concelho a dimensão mediática de muitas outras que justifiquem a atenção dos media nacionais ou mesmo regionais, mas já não deixa de ser surpreendente a total ausência na imprensa local de artigos de opinião ou análise independente sobre as propostas dos vários partidos ou coligações concorrentes e as intenções declaradas dos candidatos a Presidente da Câmara. Tal silêncio, particularmente ensurdecedor dada a importância do que está em jogo a nível concelhio, será certamente consequência da falta de uma tradição editorial crítica por parte dos órgãos de comunicação local mas, sobretudo, reflecte à nossa escala o fenómeno mais global de crise da democracia representativa e do distanciamento entre eleitores e eleitos, neste caso concreto evidente no baixo grau de atenção da grande maioria dos cidadãos eleitores face aos programas eleitorais ou às declarações dos vários candidatos, lidos/recebidos ora com adesão, ora com rejeição, a maioria das vezes com indiferença mas, e aí reside o problema, quase sempre acriticamente. É precisamente esse modesto, porque singular e limitado no espaço disponível, exercício de crítica livre de um cidadão eleitor do concelho de Caminha, que vos proponho agora acompanhar esperando sinceramente que ele possa suscitar, eventualmente por este mesmo meio, antes ou depois das eleições, muitas outras disponibilidades para o debate sério dos assuntos do nosso local comum de vida no âmbito de uma cidadania atenta e exigente face aos vários poderes, sejam eles públicos ou privados, locais, nacionais ou globais.
Começando pela candidatura do CDS-PP, espanta a desfaçatez de um partido político nacional com responsabilidades parlamentares que apresenta em Caminha uma lista de candidatos inteiramente de fora do concelho composta por meia dúzia de rapazinhos do Porto, recém-licenciados ou ainda a fazer os seus cursos mas, confesso, ainda mais me espanta que este autêntico insulto à inteligência de quem aqui vive e trabalha com o único propósito de fingir uma implantação local que, pelos vistos, não existe, ainda mereça na imprensa local honras de primeira página e amplas entrevistas ao seu cabeça de lista sobre assuntos que, evidentemente, desconhece por completo, dando origem a declarações tão pouco edificantes para os caminhenses como esta resposta à óbvia questão: “De facto não somos naturais do concelho, mas, por isso, poderemos constituir uma mais valia para a população. (…) na prática, o que é que os outros candidatos – de cá , têm feito?”(Caminha@2000, 24/11/01) …! Com estes pressupostos, escusado será dizer que toda e qualquer análise do conteúdo das propostas e ideias (?) da candidatura do CDS-PP seria pactuar com uma situação que só não é mais grave pelo profundo ridículo que encerra.
Temos depois a novidade Bloco de Esquerda (BE), que surge em Caminha reproduzindo o discurso nacional desta formação política, apelando a uma “nova cultura política” e a uma “nova outra forma de cidadania”, simultaneamente crítica e participativa, visando um “concelho de munícipes intervenientes e responsáveis” (documento de apresentação da candidatura). Saúda-se o aparecimento do Bloco em Caminha, assim como o seu apelo ao debate urgente sobre o modelo de desenvolvimento que queremos para o concelho, o desassombro de algumas declarações dos seus protagonistas relativamente aos exemplos de descaracterização urbanística ou, ainda, a prioridade dada à variável meio ambiente quando se equacionam opções estratégicas para o futuro próximo de Caminha como o traçado do IC 1, a questão da travessia do rio Minho ou a próxima revisão do Plano Director Municipal (PDM). Sendo assim, só é de lamentar que esta candidatura não surja com outra consistência política como é evidente pela ausência de um manifesto eleitoral específico para o concelho de Caminha e, consequentemente, de propostas concretas sobre a realidade local (com algumas louváveis excepções como, por exemplo, a necessidade de aquisição e recuperação do Teatro Valadares por parte da Câmara), mas também em alguma indefinição e personalização nas tomadas de posição face às mais variadas questões (“eu não sei se a opção de Caminha deve ser essa…”, “Eu não lhe sei dizer exactamente qual é a posição do BE sobre isso mas sei qual é a minha posição”, Caminhense, 16/11/01) e, sobretudo, no esquecimento das graves questões sociais que ainda afectam o concelho, algo indesculpável numa formação política de esquerda. Ficam, ainda assim, ideias bem interessantes que o Bloco assume como suas a nível nacional (o provedor municipal, os orçamentos participativos) e, principalmente, a disponibilidade para a promoção do debate local que, sinceramente, esperemos se mantenha depois do acto eleitoral.
Continuando pela esquerda do espectro político, encontramos a candidatura da Coligação Democrática Unitária (CDU) que, assumidamente, aspira a um lugar na vereação para o seu cabeça-de-lista, aposta legítima mas que condiciona claramente a sua estratégia eleitoral. Assim, depois de um tom consistentemente crítico face ao poder socialista ao longo do mandato que agora termina (nomeadamente na Assembleia Municipal, onde os seus representantes foram muitas vezes as únicas vozes dissonantes face a problemáticas ambientais ou sociais), a CDU surge agora, algo surpreendentemente, com um discurso redondo que evita afrontar ou problematizar — “nós gostamos mais de estar do lado das soluções e não do lado dos problemas”, “Eu não gosto de criticar o trabalho dos outros” (Caminhense, 23/11/01) — preferindo a retórica do “projecto abrangente” ou, o que vai dar ao mesmo, “projecto para Caminha”, aproveitando o que considera a “onda geral de simpatia” que rodeia os seus candidatos (Caminha@2000, 24/11/01). Quando chegamos ao campo das propostas concretas, é inegável que os protagonistas da candidatura da CDU mostram conhecimento da realidade local e não se limitam a reproduzir discursos alheios ou voluntaristas de ocasião e são naturalmente de saudar os propósitos de municipalizar o Teatro Valadares, revitalizar o centro histórico de Caminha, apostar no turismo agro-rural, ou mesmo as ideias mais genéricas como, por exemplo, a de descentralizar e potenciar o papel das freguesias ou a de motivar e valorizar os trabalhadores da autarquia. Contudo, o cuidado da CDU em não hostilizar potenciais faixas do eleitorado e não se comprometer para o futuro, fica evidente quando se optam por formulações ora ambíguas, como “protecção do ambiente sim, mas desenvolvimento também …” (Caminhense, 23/11/01), ora demagógicas como a resposta à hipótese de instalação do ensino superior no concelho (“existem todas as condições para que se possa vir a instalar um pólo no concelho”, Caminhense, 23/11/01), ora ainda populistas, como a defesa de uma “cultura mais basista, apostando no que é nosso” (Caminha@2000, 24/11/01). Enfim, tanta abrangência talvez até permita chegar a novos eleitores, mas será que a CDU de Caminha está consciente que com tão pouca esquerda — também aqui, as questões sociais, como a pobreza, estão praticamente ausentes do discurso — se arrisca a afastar outros tantos ?
Passando ao Partido Social Democrata (PSD), com aspirações à presidência da Câmara depois de 25 anos de poder socialista, a pública indefinição do Verão passado quanto à lista a apresentar ao eleitorado, resultou numa candidatura, sem dúvida original e simpática, mas cuja consistência política resiste dificilmente a uma análise mais fina do discurso voluntarista e algo ingénuo da sua principal protagonista. Atente-se, por exemplo, nas incongruências manifestadas quanto a questões tão importantes como o balanço da gestão autárquica do PS, o papel do PSD na oposição a essa mesma gestão ou a sua própria inserção numa lista partidária. Na verdade, chega a ser difícil acompanhar o raciocínio de quem chama a atenção para o “mau desempenho do Partido Socialista” e o “passivo muito grande” que este partido deixa no município mas, noutra ocasião, referindo-se ao ainda Presidente da Câmara socialista, elogia o seu “dom de ouvir as pessoas” (Caminha@2000, 24/11/01) ou o chega mesmo a qualificar de “bom candidato” (Caminhense, 30/11/01) ! Aliás, diga-se que também não é fácil perceber quem tão veementemente se afirma como independente e apolítica, atacando fortemente o passado recente do PSD no concelho — “todos somos independentes”, “vejo as coisas de uma forma muito pessoal”, “não sou pessoa política” (Caminha@2000, 24/11/01), “quando me diz que o PSD não fez oposição, eu até posso concordar …”, “eu não me responsabilizo por esse passivo (…) nunca fui filiada no PSD” (Caminhense, 30/11/01) — quando foi apresentada aos caminhenses como candidata pelo próprio líder nacional do partido, Durão Barroso, e depois convida o Major Valentim Loureiro para estrela da festa do lançamento público da sua candidatura (ver Caminhense, 14/9/01,12/10/01, 16/11/01) ! A outro nível, talvez mais grave pelas consequências que acarreta, atente-se igualmente na inconsistência da posição da candidata sobre a hipótese de uma ponte em Caminha sobre o rio Minho: na citada apresentação da sua candidatura não hesitou em afirmar que “tudo faremos para que o IC 1 chegue cá rapidamente e faça a ligação a La Guardia pela futura ponte” (Caminhense, 12/10/01) mas, depois de estar presente num debate organizado pela COREMA, o discurso ficou muito mais cauteloso (felizmente, diga-se): “connosco no poder, iria exercer-se pressão para que os estudos fossem feitos, a fim de constatar se havia viabilidade ou não” (Caminha@2000, 24/11/01). Dito isto, não queremos deixar de louvar algumas das ideias da candidatura do PSD que, apesar de tudo, demonstram uma real preocupação pelos problemas do concelho, nomeadamente quando se chama a atenção para a desertificação das freguesias do interior ou se afirma que “preservar o meio ambiente é fundamental” (Caminhense, 12/10/01) ou ainda quando se chama a atenção para a inexistência de regulamentação local para a caça, pesca ou prática de desportos náuticos ou a ausência de uma planificação estratégica concelhia (Caminhense, 30/11/01).
Finalmente, a candidatura do Partido Socialista (PS) que, depois de sete mandatos de poder autárquico em Caminha, gere a difícil situação de ter de assumir a responsabilidade de um passado não isento de polémica com a necessidade de apresentar novos protagonistas, criando assim a ilusão perfeita da alternância tranquila. Diga-se que, mesmo usando de uma extrema habilidade no discurso produzido, só em parte o consegue e ainda assim à custa de alguma omissão crítica que, sendo compreensível em termos eleitorais, nem por isso é menos lamentável para quem gostaria de uma maior clareza e radicalidade na vida política que dificilmente é compaginável com as estritas solidariedades partidárias. Repare-se, por exemplo, na abordagem da problemática do desordenamento urbanístico e do excesso de construção no concelho que, se por um lado, merece um louvável “o passado não nos honra”, por outro se justifica com o facto dos “conceitos, os sentimentos e o espírito de quem geria não eram os mesmos que hoje em dia” (Caminhense, 30/11/01), esquecendo-se que alguns dos casos concretos são bem recentes (entre outros, os edifícios junto à marginal do Coura em Caminha) e que, em termos gerais do concelho, não vemos qualquer inversão de tendência num modelo de desenvolvimento que não respeita as depressões naturais, as linhas de água, a permeabilização dos solos ou a estética da paisagem e que depois é o responsável pelos “desastres naturais” como o acontecido recentemente em Cristelo. Atente-se igualmente na forma como é abordada a questão do assoreamento do rio Minho (e, acrescente-se, da extracção desordenada de areias junto à marginal de Caminha e do quase desaparecimento do areal nas praias da Foz e Moledo): admite-se o problema, bem entendido, mas depois evoca-se a necessidade de mais “estudos científicos” (Caminhense, 30/11/01), quando já há indícios científicos mais do que suficientes (veja-se o artigo de J.Vasconcelos no Caminha@2000 de 4/8/01 e lembre-se o recente debate organizado pela COREMA com um especialista vindo da Galiza) para perceber que o ferry-boat foi (é) o grande responsável por toda este grave atentado ambiental. De qualquer forma, se dúvidas subsistem, encoste-se o ferry-boat enquanto se fazem os tais estudos ! Enfim, se nem tudo são rosas em Caminha, também não haverá razão para desesperar e anote-se, com agrado, a insistência da candidatura PS na importância do planeamento (e, neste âmbito, na revisão do PDM e na elaboração de planos de pormenor), e na promessa de dinamização do trabalho a nível da Biblioteca, do Museu Municipal e, ainda, de revitalização das estações arqueológicas do concelho (Caminhense, 30/11/01). Aplauda-se igualmente a fuga à demagogia fácil quando não se faz da famigerada nova ponte no rio Minho promessa eleitoral (Caminha@2000, 1/12/01) ou se reconhece não ser prioridade a instalação do ensino superior no concelho (Caminhense, 30/11/01). Em contrapartida, registe-se com preocupação, as cautelas face à compra e recuperação do Teatro Valadares — “só se for uma conclusão tecnicamente suportada e avalizada por uma entidade idónea” (Caminhense, 30/11/01). Porquê condicionar a municipalização e a recuperação do Valadares à sua transformação em Casa da Cultura se, em termos arquitectónicos e históricos, ele vale per si ?